Autazes: guerra do potássio?
Aumentar a produção interna é uma das alternativas que o Brasil possui para reduzir sua dependência e sofrer menos impacto dos riscos geopolíticos.
A questão da mineração em terras amazônicas está sendo transformada em um campo de batalha
O processo de entrega das licenças necessárias para a implantação de um complexo de mineração de potássio em Autazes, no Amazonas, segue avançando. No dia 29 de abril o governo estadual entregou três licenças, sendo duas delas destinadas à perfuração de poços de água potável que vão abastecer o complexo e, a terceira, para a instalação de um porto fluvial na Vila de Urucurituba, na margem esquerda do rio Madeira.
A primeira licença para a realização da lavra subterrânea, processo pelo qual se remove o minério que está abaixo do solo, foi entregue no dia 8 de abril. A implementação é resultado de anos de negociações onde se enfrentou a resistência de alguns grupos ambientalistas, que pintam um retrato sombrio do empreendimento e se articulam em prol da sua suspensão.
Um dos usos mais importantes do potássio é na produção dos fertilizantes agrícolas que são empregados na lavoura brasileira. Atualmente, o Brasil depende de outros países para o fornecimento desse insumo, em especial da Rússia, que é uma das maiores produtoras do mundo. O Brasil é o país que mais importa potássio no mundo. Essa situação se expôs como uma fragilidade estratégica com a eclosão da guerra da Ucrânia e suas repercussões comerciais. “Preço do potássio triplica com guerra na Ucrânia”, publicou a CNN em março de 2022.
Aumentar a produção interna é uma das alternativas do Brasil para reduzir sua dependência e sofrer menos impacto dos riscos geopolíticos. Segundo pesquisadores consultados pela CNN, o Brasil era independente na produção de potássio até 1990, mas fenômenos como a privatização da Vale levaram o setor de mineração para outra direção, que não acompanhou o crescimento da produção agrícola associado ao uso intensivo de fertilizantes.
A matéria da CNN Brasil também expõe como o Brasil possui grandes reservas para ser exploradas, o que pode alterar nossa posição no mercado global. O maior desafio não é ambiental, mas tecnológico: para realizar a exploração profunda desse minério, necessita-se de uma tecnologia avançada que ainda não se difundiu no Brasil. De acordo com levantamento técnico da Agência Nacional de Mineração, as principais reservas de potássio do Brasil estão na Bacia Sedimentar de Sergipe e na Bacia Sedimentar do Amazonas-Solimões. Só 11% das reservas em terras amazônicas se encontram em terras indígenas não homologadas.
Quem é contra a mineração?
O potencial de desenvolver regiões com pouca densidade populacional, apropriadas para a exploração mineral, não agrada ambientalistas que querem transformar a Amazônia em um grande santuário intocado. Para isso, estão dispostos a pintar a atividade de mineração como terrível para o meio ambiente por princípio e estimular a contradição de populações indígenas — que dizem proteger — com operações de mineração.
A publicação Amazônia Real, por exemplo, chama o processo de implementação do projeto de mineração em Autazes de “guerra do potássio”. A atuação da empresa Potássio do Brasil para comprar terrenos, dialogar com a população local, apresentar projetos de desenvolvimento social, preparar vídeos de apresentação e conduzir pesquisas científicas na região seria uma “guerra”, portanto.
Percebam as implicações desse tipo de enquadramento retórico: um representante da empresa Potássio do Brasil falando sobre a construção de escolas e postos de saúde para os indígenas seria “assédio”. Os que venderam suas terras para operações das empresas são retratados como derrotados, enquanto os que não vendem são os “resistentes”.
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) foi mais de acordo com sua vocação militante e fez acusações contra o projeto de exploração em Autazes, expondo muito sobre o que inspira esses movimentos de oposição à mineração.
Para o CIMI, que acusa o empreendimento de “ameaçar a existência do povo Mura”, a concessão do licenciamento ambiental pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) pode ter sido imparcial, mas estaria fora de sua competência legal.
Falando em competência jurídica: o próprio CIMI diz que a “Terra Indígena Soares” que supostamente será afetada pelo projeto não está demarcada e só foi criado um grupo técnico para decidir sobre a delimitação em 2023. Insistem no processo de Consulta Livre, Prévia e Informada, dizendo que ele não está sendo respeitado, mas mal conseguem ocultar o caráter agressivo da sua militância política.
Segundo o portal Amazônia Real, o processo de “autodemarcação” foi feito com o “apoio” do próprio Conselho Indigenista Missionário.
Afinal, estão disputando aquela terra ativamente, mas tentam enquadrar a situação como se a empresa Potássio do Brasil estivesse quebrando a lei, ou pior, ameaçando diretamente a existência física de um povo.
Qual é o fundamento para os senhores do CIMI acusarem a empresa de ameaçar fisicamente os indígenas?
A acusação toma fundamento da visão de mundo de radicais que rejeitam a mineração por princípio, em todas instâncias, e que enxergam toda alteração no modo de vida de uma população indígena como um intento genocida. O próprio texto do CIMI diz em tom de alerta que “transformações na organização sociopolítica Mura já vem acontecendo”, ou seja, o problema são as transformações, que pelo visto ferem uma visão romântica de preservação de um estilo de vida indígena como forma atemporal de existência.
Na visão dos militantes do CIMI, a exploração mineral é inadmissível, mesmo que os indígenas se beneficiem dela. “Precisamos de alternativas que beneficiem a todos”: a alternativa da exploração responsável dos recursos minerais pode beneficiar a população local, o município, o estado e ainda cumprir uma função estratégica para o Brasil que está além dos ganhos financeiros imediatos que essa ou aquela mineradora realizará com o empreendimento.
O empreendimento prevê que cerca de 80% da mão de obra será formada por trabalhadores locais. Também existe uma estimativa de incremento na receita tributária no valor de R$ 2 bilhões para o município de Autazes, R$ 4 bilhões para o estado do Amazonas e R$ 13 bilhões para o governo federal. Isso ainda não quantifica o impacto econômico na forma de demanda por serviços de empresas locais. Além disso, o impacto econômico pode ser diretamente direcionado para o bem-estar da comunidade indígena e para projetos voltados para o desenvolvimento sustentável, identificando os impactos, investindo na preservação da biodiversidade e nas estruturas de pesquisa presentes na região.
Os militantes inflexíveis parecem temer que alguém fale da possibilidade dos indígenas se beneficiarem com o desenvolvimento, pois isso desmoraliza seus discursos apelativos que mascaram a oposição às atividades econômicas como uma luta contra a “iminente destruição de um povo”.
O problema da consulta prévia
Ainda que possam existir discordâncias com alguns movimentos indígenas organizados, o processo de estabelecimento da zona de mineração está longe do retrato violento pintado pelos militantes e contou sim com diálogos envolvendo a população local, em especial os indígenas do povo Mura.
Como ocorre em outros casos, organizações diversas insistem na necessidade de “consulta prévia” enquanto omitem diversas negociações e processos de consulta envolvendo a população local. Em setembro de 2023, lideranças indígenas de Autazes, da etnia Mura, estiveram na sede do governo do Amazonas para entregar o relatório de uma assembleia geral que concordou com a atividade de mineração na região. O próprio governador destacou aquele momento como um marco importante da consulta e da participação do povo Mura.
O dirigente índigena José Cláudio Mura, que em outros momentos é tratado como referência pelo CIMI, disse durante a ocasião que aquele era um passo importante para o desenvolvimento econômico de Autazes e do estado do Amazonas.
O presidente da Potássio do Brasil também estava presente na reunião.
O próprio portal do CIMI reconhece que o processo de consulta já vinha acontecendo, mas foi embargado pelo judiciário que considerou que a consulta só poderia continuar quando o processo de demarcação fosse concluído.
A Potássio do Brasil fez a proposta de levar lideranças do povo Mura ao Canadá para conhecer a experiência de indígenas canadenses com a exploração de potássio na província de Saskatchewan. Na província rica em minerais, existe uma complexa articulação de esforços públicos e privados, envolvendo financiamento estatal, planos nacionais e acordos com os povos indígenas.
O que querem os militantes que são radicalmente contrários à mineração no Brasil? Querem que os indígenas participem de forma legítima das negociações que fazem parte da construção conjunta do Brasil, ou desejam somente causar o máximo de agitação para isolar certas áreas do estado brasileiro?
Discursos agressivos que ocultam o processo de consulta já realizado até então só servem ao propósito de sabotar o projeto. Através dessa retórica, os militantes cooptam pessoas preocupadas que moram em outros estados, em especial representantes da classe média, que saem repetindo os discursos de que os indígenas estão sendo atropelados.
Essa campanha também tem uma faceta judicial. O próprio portal do CIMI reconhece que o processo de consulta já vinha acontecendo, mas foi embargado pelo judiciário que considerou que a consulta só poderia continuar quando o processo de demarcação fosse concluído. Dessa forma, a juíza de direito Jaiza Maria Pinto Fraxe determinou que a empresa cessasse seus contatos com os indígenas, que qualquer comunicação ou consulta seria “assédio”.
Não é só em Autazes que o judiciário atua de uma forma bloqueadora em obras importantes para o Brasil. O que chama atenção nesse caso é a configuração estratégica dos envolvidos: uma campanha de opinião pública para convencer a sociedade de que a mineração é “genocida” ocorre simultaneamente à pressão judicial.
Esperemos que na justiça os fatos possam esclarecer-se com parcimônia, mesmo com toda mobilização ideológica (que pode influenciar o Ministério Público). Projetos de mineração podem ser um caminho importante para o desenvolvimento do Brasil, atendendo interesses que estão muito além do ganho imediato dos investidores: as necessidades estratégicas do país, a nossa produção agrícola, o desenvolvimento urbano e social dos municípios onde são implementados os empreendimentos, dentre outros efeitos benéficos que incluem o financiamento de políticas ambientais robustas. Tudo isso deve ser feito com a consulta e a participação de todos os interessados — Estado, sociedade, investidores e população adjacente aos projetos.
O projeto que vem sendo colocado como alternativa à mineração acredita que a preservação ambiental será conquistada com isolamento e limitação às atividades econômicas. A Amazônia já foi identificada por suas riquezas, entretanto, e elas estão sendo exploradas por estruturas ilegais, paralelas. Talvez seja o momento de pensar com cuidado em uma alternativa que contemple a exploração econômica responsável, sabendo que mesmo as políticas de conservação e a ampliação da fronteira do nosso conhecimento também demandam desenvolvimento humano e o investimento de recursos econômicos.