Brasil na COP30: Por uma estratégia tropical

Diante de um mundo instável, Brasil deve ir à COP30 com uma estratégia soberana, que una segurança alimentar, autonomia energética e desenvolvimento amazônico como pilares de uma transição ecológica tropical e produtiva — rompendo com o papel subalterno e assumindo protagonismo na nova ordem global

Brasil na COP30: Por uma estratégia tropical

Diante de um mundo instável, Brasil deve ir à COP30 com uma estratégia soberana, que una segurança alimentar, autonomia energética e desenvolvimento amazônico como pilares de uma transição ecológica tropical e produtiva — rompendo com o papel subalterno e assumindo protagonismo na nova ordem global

Às vésperas da COP30, o Brasil se encontra diante de uma encruzilhada histórica. O mundo vive uma crescente instabilidade nos fluxos de alimentos e energia, marcada por choques geopolíticos, nacionalização de cadeias produtivas e a redescoberta brutal do papel estratégico das commodities. A guerra na Ucrânia, as disputas por fertilizantes, a alta no preço dos combustíveis fósseis e a pressão sobre os grandes exportadores de grãos demonstram que a segurança alimentar deixou de ser apenas um tema humanitário — tornou-se uma questão de soberania e poder. O problema climático pode ser um problema global, de interesse dos vários países, mas esse contexto não pode ser abstraído em prol da visão idealista que retrata cúpulas internacionais como eventos acima das dinâmicas nacionais.

Nesse novo cenário, o Brasil precisa ir à COP30 com uma estratégia soberanista, firme e propositiva. O país não pode se limitar a ser réu no tribunal moral das emissões, mas deve se apresentar como arquiteto de um novo paradigma: o da agricultura tropical sustentável como base de segurança alimentar global. Isso significa abandonar a posição defensiva de “vilão climático” e assumir uma postura ativa de potência normativa, transformando a Amazônia em vitrine de inovação agroecológica, conectividade e integração regional.

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Agricultura, Energia e Poder

A crise global de alimentos revela uma verdade inconveniente: a maior parte do mundo depende de poucos exportadores para se alimentar. Rússia e Ucrânia, por exemplo, antes da guerra, respondiam juntas por cerca de 12 a 14% das calorias negociadas no mundo. Sete países dominam 86% das exportações globais de trigo. Isso cria uma nova lógica geopolítica: os que têm terra, água e sol tornam-se peças-chave no tabuleiro da segurança internacional, e a guerra na Ucrânia criou grandes perturbações no mercado internacional de grãos.

O Brasil deve defender a tese de que preservar é também desenvolver — e que a verdadeira sustentabilidade exige capacidade produtiva.

O Brasil é o único país tropical com escala continental, domínio tecnológico agrícola (graças à Embrapa) e posição de liderança em blocos como o G20 e os BRICS. Não somos grandes produtores de trigo mas, felizmente, somos um dos grandes exportadores de alimentos, fato esse nem sempre considerado no debate público e nas discussões cotidianas sobre a política, mesmo que ele seja tão importante para definir nosso lugar no mundo e nos oferece uma grande oportunidade para nos projetarmos com uma grande estratégia de cunho nacional. Somos os maiores exportadores de soja, carne de frango e carne bovina, estamos em terceiro na lista de maiores exportadores de carne suína; disputamos a liderança das exportações de milho com os Estados Unidos, lideramos na exportação de açúcar e estamos entre os maiores exportadores de café.

A agricultura moderna depende fortemente de energia. Fertilizantes nitrogenados, defensivos agrícolas, maquinário — tudo isso é movido a petróleo, gás ou derivados. A atual arma do gás natural usada pela Rússia mostra que, em tempos de guerra energética, a segurança alimentar se fragiliza. Portanto, quem domina a produção tropical, com menor necessidade de insumos fósseis, pode oferecer alternativas resilientes a um mundo em transição. Os Estados Unidos vêm adotando uma estratégia comercial agressiva e garantiram suas necessidades de petróleo com descobertas no próprio país; cabe aos brasileiros compreender que a segurança energética do seu próprio país passa pela exploração do petróleo na Margem Equatorial.

No debate climático internacional, a energia ocupa lugar central — não apenas por seu impacto nas emissões, mas porque está no cerne das grandes disputas de poder do século XXI. A transição energética, cada vez mais acelerada por razões climáticas e geopolíticas, tem revelado uma nova cartografia de influência global. Vimos a situação do gás na guerra da Ucrânia e como a produção favorece a posição de força da Rússia; a Europa corre para diversificar fornecedores e paga caro pela produção dos EUA; os EUA transformaram o shale gas em instrumento de luta pela hegemonia; e a China domina a cadeia produtiva de painéis solares, baterias e minerais críticos.

Nesse contexto, o Brasil precisa defender sua soberania energética como elemento indissociável da sua soberania ambiental e alimentar. E tem legitimidade para fazê-lo: é uma das maiores potências energéticas do mundo, com uma matriz já majoritariamente renovável e diversificada — baseada em hidrelétricas, biocombustíveis, energia eólica, solar e um parque de petróleo e gás que assegura autossuficiência.

A matriz energética brasileira é única entre as grandes economias. Cerca de 85% da geração elétrica provém de fontes renováveis, contra menos de 30% da média global. O país é pioneiro no uso de etanol como combustível, mantém uma indústria de biodiesel competitiva e está desenvolvendo políticas robustas para o hidrogênio.

Na COP30, o Brasil deve apresentar sua experiência como potência energética verde do Sul global. Mais que metas abstratas de neutralidade, o país pode mostrar resultados concretos de descarbonização sem desindustrialização, de modernização produtiva com inclusão social. Deve se posicionar como exemplo de uma transição energética ancorada na realidade tropical, não em modelos europeus ou californianos descolados da geografia do Sul.

A soberania energética brasileira, quando articulada à soberania alimentar e ambiental, pode se tornar fundamento de um novo modelo de inserção internacional — baseado em autonomia produtiva, cooperação tecnológica e protagonismo responsável na era da transição ecológica.

A Amazônia como Fronteira de Desenvolvimento Produtivo e Soberano

Na geopolítica do século XXI, a Amazônia Legal brasileira é tanto alvo quanto ativo estratégico. Ela concentra as últimas grandes reservas de água doce, biodiversidade e terras agricultáveis ainda disponíveis em grande escala. Ignorar isso — ou transformar a floresta apenas em um símbolo intocável — é entregar esse ativo à influência de interesses externos, ao avanço do crime ambiental e à estagnação socioeconômica regional.

O Brasil deve defender a tese de que preservar é também desenvolver — e que a verdadeira sustentabilidade exige capacidade produtiva. Isso implica combinar conservação florestal com infraestrutura verde, agricultura de alta tecnologia e redes logísticas inteligentes que integrem o território nacional aos mercados globais.

Portos hidroviários, sistemas ferroviários, portos secos, rodovias sustentáveis, corredores bioceânicos e redes de energia renovável devem ser vistos não como agressões ao meio ambiente, mas como alavancas de soberania. Elas conectam o Brasil ao Pacífico, integram os mercados sul-americanos e diminuem a dependência de rotas controladas por potências rivais. São instrumentos de segurança alimentar nacional e regional. Supondo os pressupostos liberais das relações internacionais, esquecendo da sã obsessão realista com os conflitos e com a competição entre Estados egoísta, mesmo assim tal desenvolvimento é desejável como algo que vai contribuir para a segurança alimentar e o avanço tecnológico de todo o mundo.

Recusar a Armadilha da Estagnação

Há, hoje, uma tentativa crescente de aprisionar países tropicais em uma narrativa na qual seu papel se resume a “compensar” as emissões do norte global — como se devessem abdicar de sua industrialização e desenvolvimento rural para virar sumidouros de carbono, grandes parques de conservação revertidos em ativos financeiros internacionais. Isso não é ambientalismo, é colonialismo verde.

Créditos de carbono: solução ambiental ou colonialismo climático?

A recusa em desenvolver a agricultura na Amazônia não resulta em conservação, mas em vulnerabilidade. É o desenvolvimento, e não a ausência dele, que permite o controle social, a economia legal e a presença do Estado. Projetos reais de agroecologia, assistência técnica, pesquisa, financiamento e exportação de know-how tropical devem ser priorizados e levados à mesa de negociação internacional como contribuições concretas do Brasil — não como concessões, mas como liderança.

Soberania Alimentar como Pilar da Nova Ordem

Cerca de 80% da população mundial vive em países importadores líquidos de alimentos. Isso significa que, em tempos de ruptura — seja por guerras, pandemias ou crises climáticas —, poucos países terão voz real na reorganização do sistema internacional. Comida vira poder, terra vira ativo geopolítico, e o Brasil, se não se antecipar, será pressionado a escolher entre ser quintal produtivo de grandes potências ou vanguarda autônoma de uma nova agricultura tropical.

Na COP30, o Brasil tem a chance de apresentar um projeto nacional de desenvolvimento sustentável soberano, que una segurança alimentar, inovação tecnológica, integração regional e protagonismo internacional. Isso exige deixar de lado o complexo de culpa ambiental e assumir com coragem o papel de potência global, defensora das vozes que até então não são ouvidas nas grandes instituições dominadas pelos países do ocidente desenvolvido.

É hora de defender a Amazônia não apenas como floresta, mas como território estratégico de um país que quer existir com dignidade.

Editorial