Jogos de poder, créditos de carbono
Créditos de carbono viraram vitrine ambiental para países ricos, enquanto o Brasil corre o risco de trocar produção e soberania por um mercado restrito, incerto e subordinado a interesses externos.

Créditos de carbono viraram vitrine ambiental para países ricos, enquanto o Brasil corre o risco de trocar produção e soberania por um mercado restrito, incerto e subordinado a interesses externos
Os créditos de carbono foram promovidos como uma ferramenta de incentivo capaz de recompensar práticas benéficas, a partir do Protocolo de Kyoto (1997), o que foi reafirmado no Acordo de Paris (2015). A ferramenta, porém, vem sofrendo críticas diversas. O professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas, apontou em entrevista para Forbes que a postura dos estados europeus também mudou nesse quesito.
“A Europa, que estimulava fortemente a adoção do mercado de carbono por outros países, mudou o script e começou a adotar medidas unilaterais para fazer valer a sua expectativa ambiental”, diz o professor. Isto é, os governos europeus julgaram os incentivos financeiros insuficientes e decidiram por medidas mais duras para pressionar outros países a adotar medidas ambientais.
Críticos ligados às posições ambientalistas atacam os créditos de carbono por considerá-los “licenças para poluir” ou por não aceitarem que empresas como as petrolíferas ganhem legitimidade ambiental por meio de mecanismos compensatórios. Para esses críticos, as petrolíferas deveriam deixar de existir, os combustíveis fósseis ser banidos e a produção, em geral, decrescer. Algumas ONGs militantes também se dedicam a expor esquemas ligados ao mercado de carbono, sem necessariamente rejeitar sua existência regulada. Contudo, é preciso guardar ressalvas: um setor interessado em controlar o mercado, por meio da produção de regulações e da presença em organismos de controle e certificação, pode tentar impor barreiras de entrada contra players poderosos como as próprias petrolíferas. Ou seja, certas organizações podem estar interessadas em um sistema centralizado e compulsório, não apenas para garantir o máximo de reduções ou impor contribuições a todas as empresas, mas também por interesse em restringir a atuação dentro do mercado.
Como disse o professor Daniel Vargas, trata-se de “um mercado de boutique”, que beneficia poucos e ainda é permeado por incertezas.
“O grande problema que muitas vezes afeta essa discussão é querer pressupor que o modelo do que é verde e sustentável seja ditado por um ou outro país”, disse ainda o professor, oferecendo um fundamento técnico além das preocupações políticas inerentes à questão: os outros países têm solo, clima e formas de produzir diferentes das condições que imperam no Brasil.
A ideia de recompensar os países “que prestam serviços ambientais” dentro do sistema de créditos de carbono também pode ser encarada como uma forma de “colonialismo climático”: enquanto os países desenvolvidos mantêm o ritmo de suas economias, impõem o fardo de certas políticas ambientais sobre os países menos desenvolvidos. No caso dos créditos de carbono, a própria dinâmica que produz os espaços nos países em desenvolvimento é alterada em função da geração de créditos para países desenvolvidos e multinacionais, que deixam de produzir para oferecer reservas de carbono.
Com o discurso de demonização da política agrícola, existe uma tendência pela reconversão de terras produtivas em “reservas de carbono”. No Peru, cafeicultores foram expulsos para dar lugar a um projeto de créditos de carbono em Alto Mayo, na floresta amazônica. No Quênia, indígenas do povo Sengwer perderam terras para um projeto expansivo de reflorestamento. Os pesquisadores Kristen Lyons e Peter Westoby escreveram sobre comunidades que perderam acesso a terras reconvertidas para créditos de carbono em Uganda. A cobrança e a pressão climática dos países ricos sobre os países em desenvolvimento aumenta enquanto os países ricos transferem processos produtivos mais intensivos na emissão de carbono também para os países em desenvolvimento; essa realidade os pesquisadores chamaram de "colonialismo de carbono".
O mercado de carbono não é um substituto, nem sequer um prospecto otimista de “superação” da economia do agronegócio. Como disse o professor Daniel Vargas, trata-se de “um mercado de boutique”, que beneficia poucos e ainda é permeado por incertezas.
O Brasil precisa de um verdadeiro projeto de desenvolvimento — e não de perfumarias para exposição internacional que servem ao ganho de poucos. Condenados estaremos, se nos enfeitarmos com os aromas da submissão.
Asa Branca