O potencial da mineração para o desenvolvimento do Brasil
O ciclo da mineração foi decisivo para a formação do território brasileiro, conectando regiões e criando um legado econômico que molda o país até hoje.
O ciclo da mineração foi decisivo para a formação do território brasileiro, conectando regiões e criando um legado econômico que molda o país até hoje
Por Luís Antonio Paulino, via Portal Bonifácio
Por sua extensão territorial e características geológicas, o Brasil é um dos países do mundo com as maiores riquezas minerais do planeta. A atividade mineradora no Brasil se confunde com a própria formação econômica e social do País e contribuiu de forma decisiva para o estabelecimento dos nossos atuais limites territoriais. Depois do ciclo do Pau Brasil e do Açúcar, o ciclo da mineração deu importante contribuição para a integração nacional, criando cadeias de suprimento que ligaram economicamente grande parte do País: o charque do Rio Grande do Sul, o comércio de mulas em São Paulo, a exploração de minérios em Minas Gerais, a exportação pelo Rio de Janeiro.
Não fosse a integração econômica regional promovida pelo ciclo da mineração no século 18, dificilmente o território brasileiro teria se mantido unido, dando origem ao Brasil tal como é hoje. Prova disso é que o restante da América Latina, onde à época dos movimentos de independência a atividade mineradora já havia concluído seu ciclo e predominava a agricultura autárquica dominada por caudilhos locais, dividiu-se em uma dezena de nações, fato que não ocorreu no Brasil.
As riquezas minerais sempre foram motivo da cobiça das grandes potências e origens de guerras e golpes de Estado. O Oriente Médio é um caso clássico, mas não é o único. Não é à toa que, hoje, a maioria dos países envolvidos em conflitos armados são ricos em recursos naturais. Quanto maiores os recursos minerais, maior a cobiça e mais sangrentos os conflitos.
O Brasil é hoje um país com economia diversificada que conta, além de uma agricultura altamente competitiva internacionalmente, com uma indústria de mineração moderna, que responde por pelo menos dois dos quatro produtos que o País mais importa (minério de ferro e petróleo) e uma indústria manufatureira diversificada, que abrange praticamente todos os segmentos industriais modernos, de automóveis, aviões a computadores.
É preciso destacar, contudo, que o papel da mineração para o desenvolvimento do País permanece atual e de significativa importância. Os grandes avanços e transformações da indústria mundial e do setor de serviços, tais como carros elétricos, energia renovável, computação em nuvem, inteligência artificial, dentre outros, dependem de recursos minerais disponíveis em quantidades limitas em poucos países, tais com níquel, lítio, nióbio e aos 17 elementos químicos conhecidos como terras raras – como o neodímio, túlio, cério, lantânio e ítrio – imprescindíveis para componentes de turbinas eólicas, carros elétricos, painéis solares, catalisadores automotivos, baterias e circuitos eletrônicos.
Além disso, a agricultura mundial, altamente tecnológica, depende de três elementos químicos para a fabricação dos adubos – nitrogênio, fósforo e potássio – sendo este último disponível em escala comercial em apenas meia dúzia de países que abastecem o mundo todo.
O Brasil possui esses recursos minerais em quantidades que o torna parte da seleta liga dos principais fornecedores do mundo da maioria deles e precisa tirar vantagem não apenas minerando esses elementos químicos, mas também agregando valor em toda a cadeia produtiva a jusante da atividade mineradora propriamente dita, como a produção de baterias, imãs e outros componentes.
Artigo de Joaquim Levy, que foi ministro da Fazenda e diretor-gerente do Banco Mundial e é diretor de Estratégia Econômica e Relações com Mercado do Banco Safra, publicado no jornal Valor Econômico (17/10/2024), chama atenção para o papel que a mineração pode ter para o crescimento do PIB brasileiro.
De acordo com Levy, “A crescente demanda por inúmeros minerais criada pela transição energética já se reflete no Brasil. Nossa produção de cobre e níquel deve passar brevemente das atuais 360 e 400 mil toneladas respectivamente, para 1 milhão e 700 mil toneladas. Com isso, ficamos mais perto dos 5,5 milhões de toneladas de cobre produzidos no Chile anualmente e do 1,8 milhão de níquel da Indonésia. Ainda é longe da liderança mundial, mas já na liga dos principais produtores. A produção do lítio tem trazido boas notícias, apesar da volatilidade do preço do metal. Há também potencial de expansão no urânio com o setor privado, se forem feitos alguns ajustes, enquanto potássio e fosfato despontam no eixo da segurança alimentar, com efeito na balança comercial. Outra mudança deve vir da produção das chamadas terras raras, essenciais para a nova economia. O Brasil é tido como detendo a terceira ou quarta maior reserva mundial desses minerais em concentrações comercialmente viáveis, com minas espalhadas em vários Estados. Mas sua produção até agora tem sido pequena, apesar do destaque do nióbio. A boa notícia é que investimentos em curso podem permitir nossa produção passar a da Austrália em breve, atingindo 20 mil toneladas por ano até o final da década, e mesmo 30-40 mil toneladas até 2035, o que nos colocaria entre os cinco ou seis maiores produtores mundiais.”.
Artigo de Celso Ming, no Estadão (20/10/2024), a respeito das terras raras, lembra que “Dada a necessidade de descarbonização do planeta e migração para a economia verde, esses materiais são estratégicos e altamente suscetíveis a disputas geopolíticas e comerciais. A China, que responde por quase 90% da produção global refinada de terras raras, há meses vem se movimentando para manter seu domínio sobre o setor. Já impôs restrições sobre a exportação de boa parte desses materiais e proibiu a venda de tecnologias destinadas à produção de ímãs de terras raras. Como apontam levantamentos do Serviço Geológico dos Estados Unidos, o Brasil possui a terceira maior ocorrência de terras raras do mundo. Daí por que se apresenta como opção destinada a reduzir a dependência de fornecimentos da China. Mais do que isso, esta seria uma janela de oportunidades para começar a desenvolver uma cadeia produtiva desses elementos.”.
Destaca, entretanto, que “falta ação e falta sentido de urgência. O Projeto de Lei 2.210/2021, que cria a política nacional das terras raras, não consegue avançar nem nas comissões especiais do Senado. Uma ação articulada, com regras claras para mineração, processamento e fortalecimento de pesquisa e inovação seria apenas o começo, como observa a pesquisadora Elaine Santos, do Instituto de Estudos Avançados da USP. Ela avisa, ainda, que é preciso desenvolver estratégias que garantam o sucesso desses investimentos. Entre elas estão a de não focar apenas na extração e no mapeamento da cadeia local, mas, também, no entendimento de quais processos o Brasil já domina e, a partir daí, direcionar recursos para a cadeia produtiva”. Lembra, ainda, que já há iniciativas em curso, como o Laboratório de Produção de Ímãs de Terras Raras, em Minas Gerais. “Com o apoio do BNDES, as Federações das Indústrias de Santa Catarina e de Minas Gerais criaram o projeto MagBras, que tem por objetivo alçar o Brasil como um player importante na cadeia global de ímãs de terras raras.”.
Matéria assinada por Ivo Ribeiro, no jornal Valor (07/10/2024) destaca que o grupo canadense Brazil Potash recebeu em abril a licença para iniciar instalações no munícipio de Autazes, no Estado do Amazonas, da mina que prevê produzir 2,2 milhões de toneladas de cloreto de potássio ao ano a partir de 2028; o foco é o mercado brasileiro e serão investidos no projeto R$ 13,7 bilhões para extração de potássio.
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A matéria mostra que “80% dos fertilizantes consumidos no País são de origem estrangeira. A participação mais evidente ocorre com o potássio um dos três elementos para se obter o NPK – mistura de nitrogênio, fósforo e potássio -, que resulta no adubo propriamente dito. Do volume que o País consome atualmente de potássio por ano, segundo dados do governo e de associações do setor agrícola 95% são trazidos do exterior – Canadá, Rússia, Bielorrússia, Alemanha e Israel. O volume importado somou 7 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2024, projetando ao menos 12 milhões de toneladas no ano.”.
Lembra ainda que projeto em Autazes é importante para o Brasil por substituir quase 20% das importações de potássio. A matéria chama atenção para as dificuldades que a empresa precisou enfrentar para obter as licenças ambientais necessárias para iniciar o projeto. “Fundada em 2009, a Brazil Potash começou os estudos ambientais para a instalação do projeto em Autazes após investimentos em pesquisas e prospecção das reservas minerais existentes na região. A concessão de licença ambiental prévia pelo Ipaam, órgão ambiental do Estado do Amazonas, foi aprovada pela ANM em 2015. Quase nove anos depois, entre idas e vindas na Justiça, foi emitida em abril deste ano a licença de instalação para iniciar as obras do projeto – mina e instalações de beneficiamento.”.
Ou seja, entre a criação da empresa, em 2009, e o início efetivo das operações, previsto para 2028, terão se passado 20 anos, boa parte dos quais gastos na burocracia dos órgãos ambientais e na Justiça. Nesse mesmo intervalo de tempo, considerando as projeções para os próximos cinco anos, o PIB da China terá se multiplicado por quatro vezes.
Luís Antonio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp).